segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Quando o chefe é uma mulher

Na vida em sociedade, homens e mulheres sempre possuíram papéis bem demarcados, construções sociais que, desde a mais tenra idade, meninos e meninas aprendiam e seguiam pelo resto da vida. O antropólogo Pierre Clastes, de forma magistral, demonstra como o “arco” e o “cesto”, dado, de acordo com o sexo, para crianças de uma tribo indígena, ajuda a demarcar a função de caçar e coletar que os gêneros assumirão na fase adulta. Desde a pré-história cada um sempre soube o seu lugar, cuidando dos jovens ou protegendo o grupo. Assim foi até épocas recentes, que podemos chamar de “sociedade tradicional”.

Logicamente, homens e mulheres possuíam papéis diferenciados nesta “sociedade tradicional”. Especialmente em relação ao papel da mulher, o Antropólogo Roberto DaMatta, analisando a relação entre os gêneros, percebe que, utilizando sua famosa dicotomia entre os universos da “casa” e da “rua”, a mulher pode assumir dois papéis na sociedade. De um lado, no universo restrito e seguro da “casa”, o papel de santa, que precisa se manter pura, a exemplo das virtudes exaltadas na Virgem Maria. Esta é, claro, a própria esposa, que acima de tudo precisa se manter fiel. Do outro lado, no universo da “rua”, o papel de “puta”, que precisa satisfazer aos desejos sexuais do “macho garanhão”. Este segundo caso é o da mulher sem pudor, a tradicional amante ou a prostituta, que não goza de respeito ou confiança.

Este é um retrato fiel de uma sociedade patriarcal, estruturada tendo como referência o homem e seus desejos. Resta para as mulheres, na “casa” ou na “rua”, respectivamente recatadas ou extrovertidas, o papel secundário. No entanto, todo este imaginário começa a se desorganizar com a revolução feminista, que abala os pilares da antiga sociedade patriarcal. A mulher está cada vez mais no ambiente da “rua”, mas não incorporando os antigos papéis patriarcais. A mulher está no mercado de trabalho, que nas últimas décadas deixou de ser exclusividade dos homens, disputando em igualdade de condições e, cada vez mais, superando-o nas mais diversas atividades. A mulher, pela maior organização, disciplina e outras virtudes, assume cada vez mais os postos de comando e chefia, tendo vários homens menos qualificados como subordinados.

Toda esta transformação nas relações entre os gêneros, que acontece de forma intensa e mais rápida do que muitas feministas poderiam imaginar, embaralham a visão de mundo do homem comum, impregnado desde a infância pela visão de mundo machista. A mulher na chefia, para ele, está “fora de lugar”, ou seja, foge dos papéis tradicionais que moldam sua mente. Em outras palavras, ele aprendeu na teoria que deve ser o líder, mas, na prática, é liderado por uma mulher.

A confusão mental do homem moderno, que se expressa na dúvida e na revolta interna, encontra na pragmática necessidade de sobreviver um motivo para não ser externalizada. Ele pode até questionar e se achar superior a mulher a qual ele está subordinado, mas a aceitação de sua condição subalterna é condição sine qua non para a manutenção de seu emprego e, como conseqüência, do restante de sua identidade social. Em ambiente doméstico, entretanto, quando a mulher se torna “chefe da casa” e principal provedora, o que também é cada vez mais comum, a resposta masculina ocorre geralmente na forma da agressão física. O aumento da violência doméstica ocorre na mesma proporção que a mulher vence obstáculos no mercado de trabalho. De certa forma, é a velha ordem patriarcal que se revolta contra os novos tempos.

A situação é ainda mais complicada quando o homem possui idade mais avançada, já estando acostumada com as brincadeiras machistas que rondam o ambiente do trabalho, mesmo quando as mulheres estão presentes, mas são subordinadas a ele. De uma hora para outra sua mente se desorganiza, pois, não é apenas seu chefe que agora é uma mulher, mas o próprio ambiente de trabalho se torna mais feminino e menos machista. Naturalmente, ele encontra dificuldades, além de se adaptar a estar subordinado a uma mulher, de encontrar prazer neste ambiente mais feminino. Mesmo que em casa ele ainda tenha uma esposa subserviente, sua identidade social está profundamente abalada. Ele quer seu velho mundo de volta.

Todavia, as mudanças e transformações trazidas pela revolução feminista parecem não ter volta. Todos os dados referentes à educação, por exemplo, corroboram a previsão de um futuro cada vez mais feminino em todos os setores da vida em sociedade, deixando para os homens a condição secundária que, historicamente, sempre foi da mulher. Será que, com isso, o homem será sempre um inadaptado? Creio que não. Embora ainda mantenham em suas almas o velho orgulho machista, o homem moderno naturalmente aceitará os “novos tempos”. Esta transformação será parte de sua própria sobrevivência e, se o mundo ficará mais feminino, esta deve ser também a tendência do homem no futuro.

Apesar do aumento da violência que a “mulher fora de lugar” promove, alguns resultados satisfatórios já podem ser observados. Uma segunda reação masculina é a atitude “blasé”, como se ignorasse as mudanças ao seu redor. Uma terceira, cada vez mais comum, é aceitar este “novo mundo” e aproveitar seu novo lugar, cumprindo suas obrigações com naturalidade. Este é o homem companheiro da “nova mulher”, conhecedor de suas fraquezas e virtudes. Talvez, com as mudanças, os papéis sociais voltem a se estabilizar, de forma completamente nova, com as mulheres na “rua” e os homens em “casa”, mas isso só o tempo nos dirá.

Um comentário:

Lua* disse...

Podemos dizer que é recente a mulher descobrir que pode ir além, que pode sair de casa e trabalhar fora decentemente e crescer profissionalmente também. Uma coisa que, talvez, já sabia a muito tempo, mas deixava por conta do marido, já que ela comprometia a sua vida exclusivamente ao bem do lar e da família. O que ficou confuso é o lugar do homem depois. Não há nenhum mistério quanto a parte vocacional de ambos, o que ficou confuso é justamente o fato social, como que a sociedade determina esses papéis e como quer. Mas nem sempre considera também o biológico. E, de certa forma, muitos ficam desorientados. Mas, se todos, ao longo do tempo, tomarem noção de seus papéis, poderão simplificar a vida e tê-la bem mais proveitosa e produtiva.