sábado, 28 de julho de 2007

Meninos brincando de bonecas? Por que não?

Meninos usam azul e menias cor de rosa. Meninos jogam futebol e meninas pulam amarelinha. Meninos brincam de carrinho e meninas de boneca. Não. Isso não são tendências gravadas em nosso código genético. Como também não é genético o estranhamento que a maioria das pessoas teriam ao ver, entretido em sua imaginação pueril, um jovem menino brincando com uma colorida boneca cor de rosa. Preconceito e intolerância não são propensões naturais do ser humano, embora muitas vezes estejam enraizados nos mais íntimos sentimentos daqueles que os praticam.
Os sociólogos sabem, pelo menos desde Durkheim, que ao nascermos encontramos já constituído na sociedade um conjunto de hábitos, costumes e valores que aprendemos pelo processo de socialização, ou seja, na interação constante que mantemos com outros indivíduos. Em outras palavras, aprendemos com a sociedade como devemos nos comportar, o que tende a reproduzir o status quo vigente, incluindo suas virtudes e vícios.
Isso ocorre também com o comportamento de meninos e meninas. A sociedade determina símbolos, cores, expressões corporais, faciais, e uma série de outras definições que, para os membros da sociedade, marcam as diferenças entre meninos e meninas e, pouco mais tarde, entre homens e mulheres.
Antes mesmo do nascimento, o corpo social já começa a determinar qual ambiente a criança encontrará, decorando quartos e comprando roupas e brinquedos de acordo com o sexo indicado pelo ultra-sonografia. Geralmente, ao ser verificado que o pequeno embrião é masculino, um mundo azul começa a ser preparado para receber o novo membro da família, cheio de bolas, carrinhos, avião e outros elementos que, dentro de um padrão estético infantil, indique a masculinidade exigida pela sociedade. O mesmo, num sentido oposto, acontece quando uma menina está por vir, quando o cor de rosa começa a dominar o ambiente. Já vai longe o tempo em que, para não ser surpreendida, as mães preparavam o enxoval utilizando cores neutras, como o amarelo, o que apenas adiava para depois do parto a utilização dos símbolos e sinais socialmente determinados para ambos os gêneros.
Pobre criança de hoje. Antes mesmo de nascer, já encontra formada toda a expectativa em relação ao seu comportamento, que deve seguir a padrões estabelecidos bem antes de seus próprios pais ou avós existirem. Como alguns intelectuais dizem, é a "pressão que os mortos exercem sobre os vivos", que acaba se reproduzindo na pressão dos pais e familiares sobre a criança.
Ao longo de sua vida, esta pressão a acompanhará em todos os momentos, mesmo que, exatamente por estar presente em sua vida desde tenra idade, não a sinta como uma imposição. Tudo isso começará nas simples brincadeiras.
A brincadeira, aliás, é a primeira forma de socialização do ser humano, tendo papel fundamental para as crianças. Com as brincadeiras, a criança interage com o mundo que está ao seu redor, plantando a semente do adulto que em pouco tempo ele será. Evidentemente, como todos sabem, a criança não é livre para praticar a brincadeira que achar mais atrativa ou conveniente. Para ser mais exato, a liberdade de escolha está sempre restrita a um leque de possibilidades limitadas, definidas não apenas pela condição social dos pais, mas também pelo que é determinado para os sexos. Ora, meninos brincam de carrinhos, bolas, aviões, soldadinhos....Tudo isso é permitido porque ajuda na construção da masculinidade. Outros brinquedos, entretanto, sobretudo os que aparecem como os mais importantes para a construção da feminilidade, são proibidos aos meninos. "Homem não brinca de boneca", diz o pai para uma criança que ainda não entendeu estas regras sociais. Reparem que, nesta frase amplamente conhecida e comum na maioria das famílias, a criança, muitas vezes ainda um bebê, subitamanente deixa o universo infantil, ou seja, deixa de ser um "menino", para se tornar um "homem" prematuro, como se tivesse, desde já, que aprender as responsabilidades que "ser um homem" exige, das quais não penetrar no simbolismo feminino, como brincar de boneca, é uma delas. Se o coitado do menino ainda assim insistir, vai ser colocado em uma posição liminar no universo masculino, com expressões como "isso é coisa de viado", de "bichinha", de "mariquinha". Em geral, na maioria das vezes isso não é necessário, pois o trauma é tão grande que a criança nunca mais vai querer olhar para uma boneca, aprendendo direitinho não apenas a ter aversão a este brinquedo, como também saberá desde cedo da existência de uma conjunto de "coisas de meninos", liberadas, e outras de "meninas", proibidas. Ao longo de seu crescimento, ele certamente continuará tendo como referência esta dicotomia, apenas mudando os símbolos ao longo dos anos.
Pois bem, como nossa sociedade é impregnada por esta praga chamada machismo, é claro que, sobretudo nas relações de gênero, os valores machistas estão presentes nos padrões que são ensinados por esta sociedade. É claro que o processo de mudança social existe, como a luta das feministas pode provar, mas este processo, infelizmente, é lento, como os muitos obstáculos que ainda precisam ser vencidos também comprovam. Junto com as "brincadeiras de meninos" na sociedade, é formada uma masculinidade que, explícito ou nas entrelinhas, expõem a visão de mundo machista.
Então, a pergunta formulada neste blog: "você acha que meninos deveriam ser estimulados a brincar de boneca?", torna-se bastante instigante. Em primeiro lugar, ao proibir determinados brinquedos, estimula-se a intolerância e o preconceito, sobretudo quando o menino se vê numa posição em que seguir os padrões determinados para a sua masculinidade é a única forma de não contrariar o sentimento de seus pais, que são suas principais referências afetivas e emocionais. Em segundo lugar, ao enfatizar na masculinidade a disputa e o conflito, que acompanharão o menino em toda a sua formação, a simpática brincadeira de boneca, tão ingênua e inocente, passa a ser vista como algo de menor importância. Claro, se o machismo impõe uma hierarquia para a diferença entre homens e mulheres, estando os homens em uma condição superior, é evidente que isso também estaria refletido desde a infância. "Homem não chora", diz o pai em alto tom de voz. Expressar sentimento é ser fraco, e fragilidade é "coisa de mulher". Brincar de boneca é como cuidar dos filhos. Brincar com panelinhas é um treinamento para cuidar da casa. Tudo isso é coisa menor, "coisa de mulher". O raciocínio é óbvio: Ao mesmo tempo que entende que as coisas menores não são para ele, aprende também a associar as mulheres a esta mesmas coisas menores. Em outras palavras, aprende que o universo feminino é menos importante, incorporando a hierarquia machista.
O que seria se os meninos fossem estimulados a brincar de boneca? Não sei. Talvez fôssemos mais tolerantes, mais compreensíveis, mais emotivos. Poderíamos ser mais prudentes, cuidar melhor dos filhos, ser mais maduros. Talvez fôssemos menos sujeitos a práticas violentas, a desafios arriscados, ao conflito eminente. Poderíamos ser um monte de coisas, mas tudo fica no plano da especulação. O certo é que, se é a praga do machismo que proíbe estimular os meninos a brincar de boneca, vale a pena, pelo menos, começar a relativizar estas diferenças e entender que, na prática, nada impede que a boneca seja incluída na formação de um menino. Se mal não pode trazer, por que não tentar?

Um comentário:

Lua* disse...

Rick é O Cara! Como sempre o porta-voz dos homens inteligentes! hehehe
Amei este post!!!! Bem polêmico e realista!

E concordo que, todos nascem pressionados a seguir uma certa linha de pensamento, cuja idéia é simplesmente separar o homem da mulher, transformando-os em extremos opostos, que não se entendem, inclusive causando uma deformidade na comunicação. Logo, esta deficiência contribui para os problemas que podemos observar com nitidez na nossa sociedade, afetando a grande maioria das pessoas. É uma triste verdade.

Esta questão "Você acha que meninos deveriam ser estimulados a brincar de boneca?", que encontrei do fórum do site da BBC Brasil, achei muito interessante citar aqui no blog, já que dá ênfase ao problema visto na sociedade, e se trata de uma pergunta polêmica, na qual as pessoas em sua maioria não estão habituadas e tratariam com desprezo, pelo simples fato de não aceitar algo fora do que cresceram aprendendo em meio a uma cultura predominantemente machista, podemos dizer assim.